História da Imigração

por Douglas Orestes Franzen – Historiador e membro da diretoria da Associação dos Romenos douglas_franzen@yahoo.com.br

Para entender a origem das famílias que no século XX imigraram para o Brasil provindos da Bessarábia, é preciso compreender o contexto das ondas migratórias que foram constantes na Europa do século XIX.  Estas famílias são originárias principalmente da Alemanha e da Polônia, e no início do século XIX fundaram vilas de colonos católicos e luteranos no território da Bessarábia. O território da Bessarábia esteve sob controle de diversos países do Leste Europeu, resultado da onde de guerras e conflitos territoriais comuns no início do século XX.

De maneira geral, os grupos de colonos migravam constantemente de um local para outro, motivados por interesses econômicos, ou até mesmo obrigados, fugindo de represálias e perseguições étnicas e confessionais. Não poucas vezes seus documentos e registros históricos foram confiscados e até mesmo perdidos diante de condições adversas.

O TERRITÓRIO DA BESSARÁBIA

É uma região histórica localizada no Leste Europeu, que ao longo da história sofreu a influência de diversos impérios, reinados e países, justamente por ser uma região muito fértil com planícies e recursos hídricos vastos.

Para a Associação dos Bessarabianos Romenos, interessa o período em que o território da Bessarábia pertencia à Romênia, já que é neste período em que nasceram grande parte dos imigrantes que se deslocaram para o Brasil. Por isso, esses imigrantes foram registrados como romenos.

A Romênia conquistou sua independência em relação ao Império Otomano no ano de 1878, e ao término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Bessarábia foi anexada em sua maioria ao reino romeno. Durante vinte e dois anos (1918-1940) o território viveu sob o domínio da Romênia, sendo os cidadãos bessarabianos nascidos nesse período considerados por legitimidade, como romenos. No ano de 1940, diante da conjuntura da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética (Rússia) retomou o domínio sobre a Bessarábia cedendo a região aos domínios da Ucrânia e da Moldávia. Foi nesse período que os alemães que ainda viviam em vilas como a de Krasna, tiveram que abandonar a região, sob ameaças dos governos comunistas.

VILA DE KRASNA, BESSARÁBIA, LESTE EUROPEU

A imigração e a fundação da vila de Krasna

A vila de Krasna foi fundada no ano de 1814 por estímulo do império russo para fundar na Bessarábia uma colonização no intuito de promover a ocupação e o desenvolvimento de atividades econômicas naquela região. Os imigrantes que ali se estabeleceram vieram em sua maioria do Sul da Alemanha e da Polônia. A maioria desses colonos não possuíam muitos bens materiais nem terras, e por isso foram atraídos pela oportunidade de conseguir um pedaço de terra naquela região.
De 1814 a julho de 1817, a aldeia foi chamada de Colonia Católica ou Kogielnik Colony. O Departamento russo para colonos estrangeiros, em seguida, nomeou-a de Constantinovsky / Constantinschutz. Em 1819, a Coroa russa passou a denominá-la oficialmente de vila Krasninsky / Krasna, em comemoração a uma batalha entre o exército de Napoleão e o exército russo.
O nome Krasna, no entanto, foi usado por moradores locais somente a partir de novembro de 1817. Em 1918, após a Primeira Guerra Mundial, quando a Bessarábia foi cedida para a Roménia, o nome da vila era conhecida como Crasna.
Nos primeiros anos conviveram ali famílias católicas e evangélicas, mas essa convivência era perturbadora pelo fato de não concidirem as comemorações e datas de caráter religioso entre as crenças. Assim, os evangélicos fundaram acolônia de Katzbach, distante oito quilômetros de Krasna.

Até a década de 1940, Krasna permaneceu como a única aldeia alemã na Bessarabia, habitada quase que exclusivamente por membros da fé Católica Romana.


Vista da Vila de Krasna, ano de 1940. Destaque para a cruz, cuja réplica encontra-se atualmente em Itapiranga-SC. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.

Vista da vila de Krasna, 1940. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.

Condições de vida

A maioria das famílias que viveram na vila de Krasna trabalhavam na agricultura, nas planícies férteis da região. Cultivavam diversas variedades de alimentos e grãos para a comercialização, principalmente o trigo. No entanto, muitas famílias não possuíam a posse da terra, vivendo como arrendatários ou trabalhando como assalariados.
A agricultura era praticada de forma bastante tradicional, sendo muitas vezes as intempéries os grandes problemas da atividade. A agricultura sofria com ataques de nuvens de gafanhotos, secas e chuvas de granizo. Muitos animais morriam por falta de alimento ou por pestes. A população sofria de doenças como a cólera e o tifo, o que tornava a vida bastante difícil para os moradores da região.
No entanto, a população de Krasna buscou forças frente às adversidades. O grande alento para a população era a religião. A escola foi construída junto à igreja da comunidade católica, estando sob a administração dos padres. No período em que esteve sob domínios da Romênia, as crianças aprendiam as lições da escola em romeno. A população, apesara da origem germânica, assimilou a língua nacional.   
As condições de vida eram difíceis e fizeram com que muitos dos moradores migrassem para outras colônias, como Karamurat e Emmental. Apesar de um grupo ter vindo para a América antes da Primeira Guerra Mundial, a grande leva de famílias que deixaram a vila de Krasna ocorreu depois de 1918. Muitos imigraram para o Canadá e para os Estados Unidos. Nos anos de 1925 e 1929 muitas famílias imigraram para o Brasil, e neste contexto que surgiram as famílias de imigrantes que fixaram residência no extremo oeste de Santa Catarina.   
Os anos de 1928/1929 foram muito ruins para a vila de Krasna devido aos invernos rigorosos e em decorrência da crise econômica que assolou grande parte da Europa. Nesse contexto muitas foram as famílias que abandonaram suas terras e imigraram para a América, principalmente para o Brasil.
No ano de 1940, devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial o cenário do Leste Europeu foi novamente reconstruído, fazendo com que os alemães que moravam na vila de Krasna tivessem que abandonar suas propriedades e serem repatriados para a Alemanha.

Moinho da Vila de Krasna. Foto: Ted Becker, The Krasna ProjectCriação de ovelhas. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.Criação de ovelhas. Foto: Ted Becker, The Krasna Project. Pastor no trato de ovelhas. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.
Centro comunitário de Krasna. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.

 

LISTA DE SOBRENOMES VINCULADOS A VILA DE KRASNA

Origem alemã:
Albrecht    Alwinger    Almas    Arlot
Arnold    Adeleiter    Bachmeier    Baldus
Bartsch    Bauer    Baumann    Baumstark
Becker    Boht/Both    Brandt    Braun
Breckner/Bruckner    Bullack    Damm    Deichert
Dirk    Drefs    Drescher    Dressler
Eckert    Engel    Erker    Fahnrich/Fenrich
Fleckenstein    Folk    Friedrich    Furch
Gotz    Gross    Haag    Habrich
Hammel    Harabura    Harsche    Hartmann
Heidrich    Hein    Herrmann    Herrschaft
Hintz/Hinz    Hirsch    Huttl/Hittel    Hoffart
Horner    Ibach    Ihli    Januschaitis (Lithuanian)
Kahl    Keller    Klein    Koch
Kopp    Krams    Kranich    Kreis
Krenzel    Kress    Kuckert    Kuhn
Kunanz    Kuntz/Kunz    Kupser    Kuss
Lauber    Lauterbach    Leinz    Lob
Maas    Mack    Mandernacht    Marte
Martin    Milbrat    Materi     Meer
Merschbacher    Muller    Moldenhauer    Nagel
Naumann    Paul    Pechel    Riehl
Ritz    Ruckert    Schafer    Schlick
Schmidt    Schnabel    Schreiber    Schreiner
Schulz    Schwalich    Sohn    Seifert
Speicher    Spitznagel    Steiert    Ternes
Tillmann    Tischner    Tuchscherer    Turk
Volk    Wagner    Winter    Wolf
Wust    

Origem polonesa:
Blotzki/Plotzki    Bobolowski/Bogolowski
Bonjakowski/Bonogofski
Bruschinski    Cismak/Tschischmak/Tischmak
Ciosek    Gajewski    Ganski
Gedak    Jankowski    Kletki
Kosolofski    Nitsche    Ruscheinski
Schulkowski    Steinke    Wuitschik

 

LISTA DE SOBRENOMES VINCULADOS À VILA DE TEPLITZ – EVANGÉLICOS

DEISS, DREHER – BALMER – ZUNDEL – PALLMANN

Família Ruscheinsky, enquanto ainda vivia na Romênia.

A família imigrou em 1929 para o Brasil.

Foto: Arquivo de Douglas Franzen.

 

A IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

Os anos de 1928 e 1929 foram muito ruins para os moradores das vilas nos arredores de Krasna. Primeiro porque o inverno foi muito rigoroso nestes anos o afetou as pastagens, as árvores frutíferas e inviabilizou a produção de alimentos. Além disso, a crise econômica de 1929 também afetou a Romênia gerando sérias dificuldades para a população.
As condições de vida da população nas vilas de colonos eram muito ruins, para não dizer péssimas. As famílias geralmente com muitos filhos, passaram dificuldades de encontrar alimento e para ganhar algum dinheiro para a manutenção de necessidades básicas. No ano de 1928, por exemplo, colonos da vila de Krasna tiveram que fazer um empréstimo em conjunto para comprar alimentos e sementes para plantio. A cooperativa mantida pelos colonos atravessou sérias dificuldades de se manter nesse período.
Diante dessa realidade algumas famílias tomaram a difícil decisão de buscar uma nova morada em busca de novas perspectivas. O problema foi justamente decidir para qual região imigrar. Nesse contexto de crise da Europa no ano de 1929 surgiu a possibilidade de imigrar para a América, principalmente para o Canadá, Argentina e Brasil.
Assim algumas famílias venderam suas propriedades, juntaram os pertences que fossem possíveis de serem levados e partiram em viagem para o Porto de Hamburgo, de onde pegariam um navio. É importante destacar que nem todas as famílias tinham a certeza de seu destino, sabiam somente de que iriam imigrar para a América, estando estas famílias à mercê de grupos de pessoas que destinavam colonos aptos a trabalhar como mão de obra barata na América.  Muitas famílias imaginavam imigrar para o Canadá e no Porto de Hamburgo eram alocados em navios que vieram para o Brasil, sob alegação de epidemias ou qualquer outra desculpa.
A viagem de carroça e de trem de da Romênia até Hamburgo durava por volta de uma semana. A viagem de navio até o Brasil durava aproximadamente mais 30 dias. No navio viajavam famílias de diversas origens, católicos e evangélicos, que em não poucas vezes promoviam discussões calorosas sobre religião. A viagem era penosa, causando enjoos, doenças e até mortes.
Na chegada ao porto de Santos, São Paulo, muitos colonos foram convencidos a desembarcar para trabalhar nos cafezais. No entanto, a maioria seguiria viagem até o Sul, pois se sabia que lá existiam colônias alemãs e italianas. Na chegada ao porto de Rio Grande, as famílias foram alojadas num hotel em condições precárias, e após um breve descanso foram transportados de trem e de caminhão até o Estado de Santa Catarina. Na chegada a Santa Catarina foi oferecida duas opções de colônias para as famílias romenas, a de Porto Feliz (Mondaí) de caráter evangélico, e a colônia Porto Novo (Itapiranga), de caráter católico.
No extremo oeste de Santa Catarina tiveram que enfrentar a adversidade da vida pioneira para comprar um lote de terra e iniciar uma nova vida distante de sua terra natal na Romênia.
No Brasil, as famílias que falavam o alemão e o romeno tiveram que se adaptar a uma nova realidade. A linguagem preponderante nos primeiros anos das colonizações de Mondaí e Itapiranga era o alemão e por isso o romeno acabou caindo em desuso. Os laços culturais com a Romênia, principalmente nos costumes e na linguagem foram duramente afetados no período da Segunda Guerra Mundial, com a adesão do Brasil à guerra. Naquele momento foram proibidas todas as manifestações socioculturais que tivessem vínculo com a Alemanha, a Itália e a Romênia.  A população foi praticamente forçada a se adaptar à língua brasileira, inclusive as crianças, que passaram a receber as lições escolares em português.

Os imigrantes romenos se estabeleceram em diversas comunidades do extremo oeste catarinense, principalmente de Mondaí e Itapiranga. Na comunidade de Linha Santo Antônio, interior do município de Itapiranga, existe hoje uma réplica de uma cruz em homenagem à vila de Krasna.

Famílias deixando Krasna e vilarejos vizinhos em comitiva no ano de 1940. Foto: Ted Becker, The Krasna Project.

REFERÊNCIAS:

The Krasna Project  http://www.14ushop.com/krasna. Agradecimento especial à pessoa de Ted Becker, pelas informações e fotografias.

Germans from Russia Heritage Collection. Site: http://library.ndsu.edu/grhc/

JUNGBLUT, Roque. Porto Novo: um documentário histórico. Itapiranga: Edições Sei-Fai, 2006.